A tiros de bala de borracha, a Tropa de Choque da PM-MS (Polícia Militar de Mato Grosso do Sul), pelo governo de Eduardo Riedel (PP), atacou no final da manhã desta segunda-feira (22), a retomada Guarani e Kaiowá da Fazenda Ipuitã, área sobreposta à Terra Indígena Guyraroká, no município de Caarapó. A ação foi mais um despejo ilegal, com uso de violência e com ao menos dois indígenas atingidos pelos disparos de tiros no local da região sudoeste de MS, da Grande Dourados.
Conforme o Cimi (Centro Indigenista Missionário), havia um acordo para a saída e retirada de pertences de funcionários da fazenda, que faziam pulverização venenosa, que era combatida pelos indígenas. Bem como, os indígenas solicitaram a presença da Coordenação Regional da Funai de Dourados. Mas, a Tropa de Choque fez o despejo sem ordem judicial, sem a intermediação Federal, pois sem o coordenador do órgão indigenista, Cris Tupan, que chegou ao local após o incidente.
Os Guarani e Kaiowá realizaram a retomada neste domingo (21) para impedir a pulverização de veneno sobre a comunidade e reivindicar a conclusão do procedimento demarcatório. Imediatamente os indígenas solicitaram a presença da Funai, mas não obtiveram resposta positiva. A Força Nacional de Segurança esteve no local, mas não interveio.
Conforme os indígenas, Tupan alegou que não havia estrutura para a ida à retomada e que, ademais, não enviaria servidores para áreas de conflito, entre outras justificativas. “Sem a Funai, a Tropa de Choque se aproveitou que a gente deixou entrar o caminhão para retirar os pertences dos funcionários da fazenda e veio com tudo”, relata Guarani e Kaiowá – o nome será omitido por motivo de segurança.
Funai chegou depois do ataque da PM
Tupan da Funai, chegou na retomada quando o ataque da Tropa de Choque havia sido feito e os indígenas despejados. “Mesmo despejados, exigimos que não voltem a plantar soja na área. Pedimos que em 48 horas o dono da fazenda dê uma resposta quanto a isso porque não vamos mais aceitar pulverização de veneno aqui”, declara Guarani e Kaiowá.
Aos indígenas e organizações indigenistas, Tupan escreveu por whatsapp que “conforme poderá ser assistido em vídeos enviados aqui a situação foi controlada. Todas as forças policiais foram retiradas do local.
O MPI (Ministério dos Povos Indígenas) e a Funai estão mobilizados nesse momento para tratar a questão dos agrotóxicos e fundiária em Dourados. A comunidade entrou em acordo com a Funai e retornaram para a área da Aldeia e vão aguardar as decisões da mesa de negociação (SIC)”.
Agrotóxicos: ataques químicos
Tramitam ações judiciais impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) solicitando apuração e providências sobre os responsáveis por pulverizações aéreas (aviões) e terrestres (tratores) de agrotóxicos sobre as aldeias. Casas e até a escola indígena são alvos constantes do que autoridades de direitos humanos entendem como “ataques químicos”.
Operações policiais confirmam a situação. Em uma delas, realizada no dia 1º de julho deste ano pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Força Nacional, com apoio das Polícias Judiciária e Técnico-Científica, resultou na apreensão de 202 kg de agrotóxicos contrabandeados do Paraguai.
Os produtos estavam escondidos em depósitos clandestinos no interior de uma fazenda localizada em área declarada como Terra Indígena Guyraroká. Por sua vez, os Guarani e Kaiowá acumulam registros de vídeo mostrando a pulverização sobre a aldeia.
“Chamam a gente aqui de (capim-)amargoso, resistente ao veneno, que só se arranca com a enxada. Começou ontem o despejo (terça-feira, 29), às 15 horas, e continuou hoje (quarta-feira, 30), às 10 horas. O cheiro é insuportável, um horror. Infelizmente isso se normalizou só que diferente do amargoso, somos seres humanos”, disse Erileide Guarani Kaiowá em 30 de outubro de 2024.
Denuncia até na ONU
Em 2022, nas Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, Erileide denunciou o que a Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, considera como ataque químico. A indígena participou da Revisão Periódica Universal (RPU), um mecanismo único e central do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU). Seu objetivo é melhorar a situação dos direitos humanos em cada um dos 193 países membros da ONU.
Em maio de 2019, quatro crianças e dois adolescentes precisaram de atendimento médico após intoxicação provocada pelo contato com calcário e agrotóxicos utilizados em área da Fazenda Remanso, localizada a 50 metros da escola indígena. As crianças tinham um e dois anos; os adolescentes, 17 e 18 anos. Na ocasião, a comunidade também gravou imagens.
Situação do procedimento administrativo
O procedimento administrativo de demarcação da TI Guyraroká foi anulado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, em 2011. A TI havia sido declarada pela Funai com 11.400 hectares. No entanto, os Guarani e Kaiowá ocupam apenas 50 hectares deste total. Estão cercados por fazendas e vivem em regime de confinamento, sem espaço para atividades de subsistência.
A defesa dos Guarani e Kaiowá, feita pela assessoria jurídica do Cimi, recorreu da decisão no STF, que admitiu o recurso. No caso da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), tramita uma medida cautelar tratando da questão do procedimento administrativo. A medida cautelar é como um socorro imediato. Os Guarani e Kaiowá reivindicam a admissibilidade do recurso jurídico pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
“Estamos em um pequeno espaço, sem condições de plantar, sendo pulverizados por agrotóxicos e não há um encaminhamento de demarcar nosso território garantindo o que a Funai já declarou”, disse Erileide Guarani e Kaiowá.